Sobre os diários de Thoreau

12/5/20232 min read

Os diários de Thoreau fazem parte de um espólio de mais de sete mil páginas manuscritas em quarenta e sete cadernos diferentes. A Princeton University Press é hoje a responsável por uma tentativa de publicação completa da obra de Thoreau que inclui correspondência, cartas, ensaios, poemas, aforismos, observações sobre botânica, citações de outros escritores, roteiros de viagens, desenhos à mão etc. A publicação total desses textos é um projeto de edição complexo, cujo trabalho, ainda em andamento, não cessa de oferecer novas descobertas. Dentre esses papéis, boa parte é composta por diários. O hábito de escrever diariamente foi mantido pelo autor, com considerável disciplina, por mais de vinte anos, até novembro de 1861, ano anterior à sua morte. A presente seleta corresponde aos seus anos de juventude, de 1837 a 1846. Ou seja, das primeiras entradas escritas aos 20 anos, quando ele, por recomendação de Ralph Waldo Emerson, começou a tomar notas no primeiro caderno, até pouco antes da sua mudança para Walden, aos 30 anos.

Quanto aos diários em específico, a primeira publicação data de 1881, numa série de seletas intitulada Early Spring in Massachusetts (publicada em 1881), Summer (publicada em 1884), Winter (em 1887) e Autumn (em 1892). Dada a natureza errática e livre da escrita diarística, a publicação dos diários em conjunto, e não como série, somente se dá em 1906, quarenta e quatro anos depois da morte de Thoreau, numa edição feita pela Houghton, Mifflin & Co, que foi usada como base para compor a seleta que agora apresentamos ao público.

Quanto aos critérios de seleção desta edição, decidimos escolher trechos que apresentassem momentos literários que caracterizam o autor, sua verve crítica, sua sensibilidade de observação da realidade e seu apreço pelo mundo natural. A maior parte dos trechos que serviram para a composição de ensaios futuros também foi mantida nesta edição. Houve também uma preocupação contínua em identificar trechos emblemáticos do autor, ou seja, partes já contempladas em outras edições e célebres entre os leitores, e momentos do diário que ajudam o leitor a se situar historicamente.

Um problema recorrente nesses diários é que nem sempre o sistema de datação foi respeitado e a continuidade da obra é posta em segundo plano, como é o caso dos cadernos avulsos dos anos de 1845 e 1847, ano que Thoreau essencialmente dedicou à experiência e escrita da sua obra mais conhecida, Walden, legando ao diário um papel secundário. Muitos desses problemas foram abordados e resolvidos pela edição de 1906, usada como base para esta tradução. Consideramos que ali já houve uma depuração do texto original que visou facilitar a leitura, sobretudo no que se refere à sequência de datas e à diferença entre cadernos, e tentamos segui-la o quanto foi possível.

O espólio de Thoreau, um pouco como o baú com as obras de Fernando Pessoa, demanda um trabalho de edição complexo e contínuo, cujo pagamento é a constante sensação de redescoberta do autor. O intuito central desta edição não é ser uma publicação definitiva, mas sim oferecer ao leitor uma parte importante do legado diarístico de Thoreau. Seus diários podem ser uma fonte de redescobertas para o leitor habitual, mas também uma excelente porta de entrada para quem deseja conhecer a formação do pensamento de Thoreau.