O (re)encontro com Ana de Castro Osório

Michelle Vila-Flor

11/28/20242 min read

Há alguns anos, estava preparando um trabalho de conclusão de curso e o desafio era elaborar um e-book. Em meio à rotina de meu trabalho e às dificuldades e restrições impostas pela época pandêmica, tinha de escolher um projeto que me permitisse administrar as atribuições da vida com o tempo disponível. A princípio, pensei numa tradução – o projeto Gutenberg sempre está à mão, em geral navego muito por lá em busca de textos e obras esquecidos. Mas ao rascunhar o cronograma, não daria tempo, devido às etapas adicionais de um fluxo editorial que um projeto desses demanda. Ponderei ir atrás de meu velho amigo Machado de Assis, mas daí qual seria o diferencial desse projeto? Quantas publicações (ótimas) ele já tem? Passei dias pensando no que poderia ser e, ao mesmo tempo, não podia demorar muito a fazer uma escolha, dado que o tempo, imperdoável, avançava. Então pensei em autores portugueses. Quem poderia ser? Pesquisei autoras mulheres portuguesas. E dentre nomes em listas e mais listas, enfim a encontrei. Fui fisgada por sua biografia: autora de livros infantis, ativista feminista, alguma relação com o Brasil (ela morou aqui, no início do século XX); e por sua escrita: iniciei pelo manifesto Às mulheres portuguesas até chegar no seu livro de contos. Bingo! Estava escolhido o projeto.

A ingenuidade então foi pensar que seria um simples tratamento no texto e planejar um projeto gráfico que conversasse com os catorze contos da obra. Leituras, pesquisas e adequação do texto me tomaram metade do cronograma, 3 meses. Um período de imersão muito gratificante para alguém como eu, que gosta e estuda línguas e variações linguísticas. Os outros 3 meses foram para desenvolver o projeto gráfico, criar uma capa e converter para e-book. A conversão consistiu em muitas tentativas e erros, até enfim dar certo. Decidi fazer tudo sozinha, pois queria vivenciar todos os processos ativamente. Mas veio a primeira lição: um projeto editorial não se faz só; é necessário mais pessoas, mais ideias para aprimorar o projeto. E obviamente a segunda lição: ninguém domina todas as etapas e, claramente, o meu ponto forte de atuação é com o texto. O trabalho foi apresentado em agosto de 2021, com feedback valioso da banca de professores. No entanto, após a apresentação, o projeto foi engavetado. A Relógio de Papel ainda não era oficial, embora a semente já estivesse plantada. E o título do livro, Infelizes: histórias vividas, não seria atrativo para o momento, afinal estávamos começando a receber as primeiras doses das vacinas e tentando viver longe da ameaça do vírus; após um período de perdas e tragédias diversas, queríamos um respiro e uma onda de otimismo.

Mesmo no ano em que a Relógio de Papel se tornou oficial e saiu para o mundo, nem eu nem meu sócio-editor tínhamos vontade de lançar o livro. Mergulhamos em outros projetos, aprendemos mais do ofício editorial. Até que no início deste ano, fechando o calendário de lançamentos, pensamos em resgatar a obra. Fez-se uma nova revisão, desenvolveu-se um novo projeto gráfico. Ainda estamos longe do fim das tragédias, que se multiplicam diariamente, mas ao ler a respeito de trajetórias de vida, dos nossos tempos e de outros tempos, desenvolvemos a empatia e a capacidade de seguir em frente, fortalecendo-nos para colaborar com os outros e nos tornarmos um pouco mais humanos. E é nesse contexto que lançamos Infelizes: histórias vividas.

Michelle Vila-Flor